O primeiro tombo na rua


   Anda Camila, você é muito lenta - gritou a Mariana lá do portão.
   - Calma, vai tirar o pai da forca por acaso? - disse fechando a porta de casa. 
   - Rápido, Camila! Assim a gente vai perder o Fernando passando na pracinha!
   Eu e a Mariana somos amigas desde o jardim de infância. Desde então, a gente não se desgruda! Depois que crescemos, percebemos que os garotos da nossa idade são um tanto sem graça. Gostamos dos mais velhos, só que infelizmente eles nem nos dão bola. Sempre encontramos uma "vítima" que ficamos seguindo. Desta vez era o Fernando.
   A gente estava comprando biscoitos em um mercado perto de casa quando o vimos pela primeira vez. Nossa, ficamos paralisadas! Imediatamente entramos na mesma fila que ele. Pagou com cheque e entregou a identidade junto. Foi aí que descobrimos o nome dele. Ele estava com roupa de judô e fomos seguindo pela rua. Descobrimos que ele fazia aula numa academia perto da pracinha. 
   Toda segunda, quarta e sexta era a mesma rotina. Nós ficávamos sentadas na pracinha esperando o Fernando voltar do judô. Desde que eu e a Mariana o descobrimos, passamos a ficar sempre no mesmo lugar o vendo passar. 
    - Ele não é lindo? - suspirou a Mariana
    - É maravilhoso! - disse por minha vez 
    - Será que ele já percebeu que a gente está sempre aqui, esperando por ele?
    - Se não percebeu, é porque é muito burro! Duas pirralhas, suspirando por ele! Já deve até estar enjoado da cara de vocês - disse uma voz sarcástica atrás da gente. 
    - Ah, é você, Bocão?
    - Não me chama de Bocão! Eu odeio esse apelido, Não sei o motivo dele.
    - Ah, não? Já se olhou no espelho? - perguntou a Mariana, caindo na gargalhada.
    - Tchau pra vocês, suas otárias! - foi embora, com a maior tromba.
    - Mariana, de uma coisa ele está certo. Nós somos duas pirralhas de 13 anos suspirando por um cara de 20!
    - O que é que tem de mais? Não é divertido?
    - Isso é! - concordei.
   Toda aquela farra ia acabar. Na semana seguinte começaria o curso de inglês, as segundas e quartas. O curso não era tão longe da pracinha, mas como a aula acaba 17h40, não sei se chegaria lá a tempo de vê-lo. Que remédio! Pelo menos na sexta eu poderia dar o plantão junto com a Mariana.
   Na primeira segunda-feira que não pude ir, a Mariana me ligou.
    - Mulher, você não imagina como ele estava gatíssimo hoje!
    - Ai, nem fala! Que inveja, queria ter visto ele também!
    - Ele mudou o corte de cabelo, você precisa ver!
    - Será que vou conseguir esperar até sexta?!
    - Tem certeza que não dá mesmo tempo?
    - Acho que não. Sei lá, vou ver...
   Assim que saí do curso de inglês olhei pro relógio. Cinco e trinta e cinco! Não vai dar tempo. Mas, e se eu correr? Apertei o passo e me mandei em direção a pracinha. A uma hora dessas a Mariana já deve estar ali. Ai meu Deus, 17h38, não vai dar tempo!
   De repente, algo inusitado aconteceu. Não sei como, mas eu escorreguei em alguma coisa e, em fração de segundos, eu estava literalmente no ar! Era um filme de terror, onde a cena é mostrada em câmera lenta. E a atriz principal era eu! Como eu estava correndo, quando escorreguei, praticamente voei. Quando finalmente alcancei o chão, aterrisei igual a um avião sem freios. Senti a minha barriga ralando no chão, assim como as palmas das minhas mãos.
    - Garota, você se machucou? - perguntou o dono da mão que generosamente me levantou daquela cena ridícula. Mas aí, quando eu finalmente olhei quem estava me levantando, quase caí de novo de susto! Era o Fernando!
    - E aí? Machucou? - insistiu.
    - Ah, só um pouquinho nas mãos - mostrei a palma delas para ele num careta.
    - É só passar um remédio que logo sara! Toma aqui a sua pasta, parou logo ali na frente. Vê se toma mais cuidado, menininha! - despediu-se passando a mão na minha cabeça.
   Quando eu finalmente olhei ao meu redor, vi o Bocão se escangalhando de rir, encostado no muro mais próximo. Pronto, vou ser o motivo de piada por pelo menos um mês!
    - Camila! Que cena de filme! "A pirralha voadora", estrelado por Camila Gonçalves.
    - Sai daqui, garoto! - defendeu Mariana. - Já não basta o mico que ela pagou? Vamos, Camila!
    - Mariana, que vergonha!
    - Vergonha? Eu estou é morrendo de inveja! Imagina se sou eu? Eu ia aproveitar a chance para dar uma agarrada nele!
    - Duvido!
    - O que foi que ele disse?
    - "Toma cuidado menininha!". E ainda por cima mexeu no meu cabelo como se eu tivesse cinco anos! Nunca mais eu volto naquela pracinha.
    - Camila, no meio desta confusão toda, não é que eu vi um gatinho saindo do seu curso de inglês? Acho que vou passar a te esperar na saída.
    - Ai não! Vai começar tudo de novo...

                                       A primeira vez a gente nunca esquece (Patricia Barboza)  

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